Esse texto faz parte da coleção “Histórias que mudam o mundo”, criada e mantida pelo Museu da Pessoa. Nela, encontram-se grandes e pequenas histórias de mudanças que acontecem todos os dias ao nosso redor, transformando vidas e fazendo do mundo um lugar mais justo, mais bonito e mais feliz.
Quando eu saí da universidade, vi que precisava criar um espaço de aprendizagem. Há 21 anos resolvi, com um grupo de amigos, criar o Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, o CPCD. Nós tínhamos um monte de perguntas, de dúvidas. A primeira pergunta que a gente se fez foi se era possível educar sem escola, porque a gente via muito menino na rua querendo aprender, e que ia pra escola e era expulso. Repetia um, dois anos e saía fora. Havia muito projeto de construção de escolas, e no fim, as salas ficavam vazias.
Então eu fui para a Rádio Clube de Curvelo (MG) e falei: “Vai ter uma reunião das pessoas interessadas pra discutir uma educação sem escola, uma escola debaixo do pé de manga”. Sentamos numa roda e começamos a falar disso. Depois de uma semana de conversa eu vi que a gente não falava de uma escola que a gente gostaria de ter, a gente falava de uma escola que a gente gostaria de não ter. E aí eu transformei aquelas informações num negócio que eu chamei de Não Objetivos Educacionais. O que nós não queremos que aconteça.
Eu mandei pra uma fundação em São Paulo, a Fundação Kellog. O Marcos Kisil viu aquilo, me ligou e falou: “Olha, eu recebi um projeto aqui meio estranho. Não tem objetivos, ele tem não objetivos”. Eu falei: “Mas é isso mesmo, professor”. Ele falou: “Mas com não objetivos você vai ter não financiamento”. Eu falei: “E o senhor vai ter não resultado e não vai dar certo”. Ele falou: “Isso é uma ideia muito maluca. Vou criar um banco de ideias, vou deixar isso cozinhando aqui pra ver se um dia a gente conversa a respeito”.
Passado uns dois meses ele me chamou: “Se você nos convencer de que isto é interessante, nós vamos entrar com você nessa empreitada”. Eu consegui convencê-los e montamos a primeira experiência nossa, o Projeto Sementinha.
O que a gente desenvolveu nesses anos todos foram quatro grandes pedagogias. Uma é a pedagogia da roda, em que tudo o que a gente faz é numa roda e com todo mundo se vendo. A roda produz consensos e não produz eleições. A outra é a do brinquedo, em que é possível aprender matemática, história, geografia, ética, generosidade, solidariedade e sexualidade, jogando e brincando prazerosamente. Outra é a pedagogia do abraço, que constroi as relações de autoestima e de solidariedade. E a última é a do sabão, quer dizer, do aproveitamento dos recursos, do conhecimento ancestral para a construção de coisas.
Cada uma delas foi construída e é construída diariamente com a meninada. E desde essa época eu comecei a defender uma ideia que vai na contramão do discurso oficial, que falava que lugar de menino é na escola. É na escola só se for aprendendo, porque se não for aprendendo é chato demais. Lugar de menino é na rua, na praça, no coreto, no shopping. Não temos que tirar os meninos da rua, temos que transformar a rua num espaço de solidariedade. Para nós, solidariedade é construída, não é por decreto. As pessoas não nascem solidárias.
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