Sem saber como lidar com filhos sofrendo de autismo severo, famílias optam por uma solução medieval: prendê-los a correntes
TÂNIA NOGUEIRA
ISOLADO Alexsandre Borges da Silva, autista mantido em um quarto com grades. Casos assim são comuns no país |
Por todo o Brasil, no século XXI, autistas como Alexsandre ainda recebem tratamento semelhante ao que os deficientes mentais recebiam na Idade Média. Naquela época, era comum eles viverem como animais. Presos em jaulas, não recebiam educação, eram alimentados por entre as grades, faziam as necessidades no chão.
Hoje, quase todo médico, professor ou terapeuta da área de distúrbios do desenvolvimento, categoria na qual o autismo se enquadra, sabe de um portador da síndrome que passa longos períodos amarrado à cama, preso em um quarto minúsculo, fechado atrás de um portão de ferro. Por que, então, eles não denunciam esses casos à polícia? A resposta é sempre a mesma: as famílias também são vítimas. Os pais só trancam os filhos em “jaulas” quando eles representam um perigo para os outros ou para si mesmos e não há onde colocá-los.
As autoridades não ignoram o problema. “O governador (Jaques Wagner) conhece o caso dos meninos presos”, diz Junior Magalhães, deputado estadual (DEM) e relator do projeto que deu origem à lei baiana do autismo, a primeira lei estadual no Brasil a tratar da questão de forma ampla. A lei afirma que é obrigação do Estado manter unidades para o atendimento integrado de saúde e educação. Diz que o Estado da Bahia tem de arcar com tratamentos especializados como fonoaudiologia, psicoterapia comportamental, fisioterapia – e, em casos graves, a internação em unidades especializadas. Mas ainda não está sendo amplamente aplicada.
Uma nova lei na Bahia prevê assistência do Estado aos autistas. Ela ainda não está sendo aplicada, dizem os pais |
O problema é que a maioria dos autistas, assim como Alexsandre, recebe tratamento aquém de suas necessidades. No dia em que a reportagem de ÉPOCA visitou Sapeaçu, Alexsandre chegou à sala trazido pelo padrasto. Encurvado, se arrastava. Tinha a cabeça levemente jogada para trás e os olhos perdidos no teto. Os dentes batiam de frio. Os olhos se mexiam – de um lado para outro, sem parar. “Ele está impregnado”, disse Rita Brasil, presidente da Associação dos Amigos do Autista da Bahia, que acompanhava a visita. Na linguagem própria de pais de autistas, impregnado quer dizer dopado.
RECUPERAR É POSSÍVEL Autista severa, Adriana Delgado trabalha em uma lavanderia |
Em alguns casos, vizinhos que ficam sabendo de um autista preso chamam a polícia. A criança é tirada dos pais e depois devolvida, diz Angélica Menezes, jornalista, diretora da Associação Baiana de Autismo e mãe de Ygor Felipe, um autista hoje com 22 anos. “Nenhuma instituição pública está preparada para receber um autista de grau severo”, afirma. Angélica chegou a vedar a porta do quarto de Ygor. “Tinha épocas em que eu ficava dias sem entrar, senão ele me surrava. Havia até fezes na parede do quarto.” Entre outros episódios, Ygor tentou se atirar do 7o andar de um prédio em Salvador, quebrou o nariz e um dente da mãe e empurrou escada abaixo a irmã, grávida. Angélica entrou com uma ação judicial pedindo que o governo da Bahia cubra os R$ 2.800 de custos da internação de Ygor em uma clínica particular. Também está reunindo a documentação de cerca de 50 famílias para mover uma ação civil pública para exigir que o governo da Bahia cumpra a lei promulgada em março de 2007 e ofereça (ou pague) tratamento para os autistas. “Faz um ano que a lei foi aprovada, e, até agora, eles não nos deram nada”, afirma Angélica.
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